domingo, 17 de janeiro de 2010

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010


Olga Roriz

Do Corpo ao Corpo


Dançar.


Pôr o corpo a pensar.


Deixar que o corpo pense.


Pensar porque se pôe o corpo a dançar.


Acreditar, que ao pensar se sente.


Sentir o sentido das coisas.


Fazer-se sentido.


Desfazer-se do sentido e sentir-se.


Emocionar-se.


Deixar que o corpo se emocione e nos embarace.


Perder a timidez.


Perder as defesas.


Agarrar as memórias.


Brincar-se.


Saber que só o corpo tem o vocabulário do sentir.


Voltar a pensar.


Pensar porque se pôe o corpo a dançar.


Perder o sentido das coisas.


Perder as coisas.


Apenas esse corpo nos faz deixar de pensar.


O fascínio do corpo que nos comanda.


Perder a timidez.


Invejar o corpo.


Como consegue ele saber mais do que eu?


Dança…Pensa…Sente…Emociona-se…Deixa-se ir.


E ri-se.


Ri-se na minha cara.


Diverte-se.


Diverte-se a enganar-me.


Ama esconder-se.


Disfarça fugas para poder atacar pelas costas.


Agarra-se até me asfixiar, depois afasta-se e deixa-se ficar.


Deixa-se ficar.


Ali, à minha frente, com ar irónico, sádico.


Observa-me.


Calmamente,…até eu desesperar.


Desespero.Já deixei de pensar, de sentir.


Espero… Espero…Pouco depois volta.


Vem, de mancinho, tocar-me na pele.


Beija-me na nuca até eu fechar os olhos de prazer.


Até eu perder a noção que existo,…que algo existe para além daquele corpo em movimento.


O corpo não mente porque me faz perder a razão.


Do corpo me prendo e me desprendo.


Ao corpo me faço e me desfaço.


Do corpo ao corpo me reduso.

A ele me rendo de livre vontade.


No campo de batalha ao seu lado morrerei.

Olga Roriz16 de Março de 2004
(Para a Revista do Teatro Rivoli)

Jirí Kylián



"As coreografias de Jirí Kylián revelam concepções artísticas e estilos muito diversos, tendo sempre em comum um cariz muito pessoal onde desafiando o académico combina elementos de variadas origens. Existem sempre novas inspirações a explorar, novos desafios para enfrentar e limites a superar. Profundamente baseado nas partituras musicais o seu trabalho parece desvendar traços ocultos da nossa existência, através da sua dança."